terça-feira, 30 de novembro de 2010

Página virada?


Os jornais deste final de semana noticiam a retomada, pela polícia e as forças armadas, dos Complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, sendo que o Governador do Estado anuncia que “o Rio de Janeiro está virando uma página”, e que “Estamos recuperando o Rio de Janeiro de uma situação de décadas de mazelas, de crise econômica, social, de falência política”. Já o Prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, anuncia que fará uma forte ofensiva de serviços sociais na Penha e no Alemão, com a reforma de escolas, construção de creches e clínicas, e a coleta de lixo.

Ou seja: o governador do Estado do RJ dá a entender que uma operação militar em um local específico significaria a melhoria das condições gerais de vida no estado, enquanto o Prefeito da cidade do Rio de Janeiro propõe uma "invasão de serviços sociais" nestes bairros.

Porém, cabe ressaltar que as carências sociais de toda a população fluminense – e do país como um todo – são enormes.

Saneamento
Segundo os últimos dados do IBGE no Estado do Rio de Janeiro, apenas 49,2% dos domicílios são atendidos por rede geral de esgoto, enquanto no Brasil como um todo, tal percentual é ainda menor: 44%. Ou seja: dos 57,7 milhões de domicílios brasileiros, ainda restam 32 milhões para serem atendidos.

Os gastos com saneamento em 2009 no Orçamento Geral da União representaram 444 vezes menos que os gastos com a dívida pública.

Educação
No caso da educação, segundo dados recentes do IBGE e do IPEA, baseados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009, somente 10,6% da população possuem curso superior. Da população de 15 a 17 anos (população potencial do ensino médio), somente 50,9% está no nível de ensino adequado, ou seja, a outra metade está atrasada em seus estudos. Dentre os 20% mais pobres, onde estão os habitantes das favelas, este percentual é de somente 31,3%, o que significa que muitos jovens pobres tem poucas chances de prosperar em seus estudos, até porque apenas 66,6% dos alunos que entram no ensino médio conseguem concluí-lo. Nas faixas de renda menores, tal percentual deve ser bem menor, devido à precariedade do ensino médio público e das condições de vida da população mais pobre.

E dos que conseguem concluir o 2º grau, uma pequena fatia consegue entrar na Universidade. Conforme comentado, no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), cada 30 estudantes disputam uma vaga nas Universidades Federais.

Segundo o IPEA, os 20% mais ricos têm 5,2 anos de estudo a mais, em média, que os 20% mais pobres.

O que mostra a necessidade de se investir mais tanto no ensino público básico como também no ensino público superior, melhorando as condições de trabalho dos professores e disponibilizando vagas para todos. Porém, os gastos com o endividamento público no Orçamento Geral da União de 2009 consumiram mais de 5 vezes o valor de todo o FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), ou 23 vezes mais que os gastos federais com educação superior no ano passado.

Emprego
A dificuldade de acumular mais anos de estudo e a necessidade de trabalhar leva muitos jovens pobres a um círculo vicioso. Segundo o IBGE, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, em outubro de 2010, nada menos que 27,9% dos jovens de 15 a 17 anos estavam desempregados. Por outro lado, jovens em melhor condição, que não precisam trabalhar, não fazem parte da População Economicamente Ativa e por isso não são contados como desempregados.

Tal percentual era de 33,1% no mês de outubro de 2002, ou seja, pouca coisa melhorou para os jovens brasileiros nestes 8 anos.

Segurança Pública
Boa parte das armas e drogas que chegam ao Rio de Janeiro – e a muitas outras cidades do país – entram pelas fronteiras, onde a fiscalização é absolutamente insuficiente, também devido ao endividamento público. Em 2008, nada menos que R$ 5 bilhões do FUNDAF - Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização – foram destinados para o pagamento de amortizações da dívida, por força da Medida Provisória 435/2008. Conforme diz o Decreto Lei 1.437/1975, o FUNDAF é “destinado a fornecer recursos para financiar o reaparelhamento e reequipamento da Secretaria da Receita Federal, a atender aos demais encargos específicos inerentes ao desenvolvimento e aperfeiçoamento das atividades de fiscalização dos tributos federais e, especialmente, a intensificar a repressão às infrações relativas a mercadorias estrangeiras..."

Cabe também destacar outras ações do governo federal da área de segurança pública, cujos recursos disponíveis não são executados, devido à política de priorização de recursos para o endividamento.

Conforme dados do Orçamento Geral da União, dos R$ 24 milhões programados para 2010 para “Construção e Ampliação de Bases Operacionais e Unidades da Polícia Rodoviária Federal”, apenas foram gastos 0,4% até 17 de novembro. Já a ação de “Monitoramento, Controle e Fiscalização Eletrônica da Malha Rodoviária Federal” somente executou 2,5% dos 3,6 milhões programados, e na ação de “Implementação do Projeto de Policiamento Especializado de Fronteira (PEFRON)” nenhum centavo foi aplicado, dos R$ 5 milhões programados.

Além do mais, nesta semana a futura equipe econômica e vários governadores mostraram que vão trabalhar contra a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 300 na Câmara dos Deputados, que cria um piso salarial nacional para os policiais dos estados. A alegação é sempre a mesma: “falta de recursos”, mesmo que a PEC não preveja nenhum valor para tal piso, apenas dispondo que o Poder Executivo, num prazo de 180 dias após a promulgação da PEC, enviará um Projeto de Lei ao Congresso estabelecendo tal valor, que pode jamais vir a ser aprovado.
Os recursos federais para a Segurança Pública em 2009 foram 58 vezes menores que os gastos com a dívida.
Como virar esta página?
Para, de fato, virar a página da exclusão social no país, são necessários urgentes e vultosos investimentos sociais, que somente podem ser feitos se for enfrentado o endividamento público. Levar saneamento, educação, saúde, e muitos outros serviços essenciais a toda a população deveria ser uma prioridade maior que o pagamento de uma questionável dívida, que deveria ser auditada, segundo a Constituição Federal.
Auditoria Cidadã

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