sexta-feira, 24 de março de 2017

A carne - Por Luis Fernando Veríssimo

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Nenhum corrupto racionaliza a sua fome de ter mais, sempre mais. Nenhum decide: quero tanto e chega.


A ação poderia se chamar Carne Podre ou Nome aos Bois, mas aí não teria o mesmo valor literário e irônico. Carne Fraca é perfeito. Serviria mesmo para todo o conjunto das ações policiais e jurídicas a partir do começo da Lava-Jato.
A corrução existe, afinal, porque a carne é fraca. Como disse o Oscar Wilde — outro que teria emprego garantido como frasista na Polícia Federal — “Eu resisto a tudo, menos à tentação”.
A tentação é demais. Somos pobres almas inocentes reféns da nossa própria carne e das suas fraquezas.
De certa maneira, Carne Fraca é quase uma absolvição da corrupção epidêmica que assola o país. Rouba-se tanto porque a carne não se satisfaz com pouco, é incapaz de se contentar com o que já tem. Porque a carne é insaciável.
Nenhum corrupto racionaliza a sua fome de ter mais, sempre mais. Nenhum decide: quero tanto e chega. Tenho um Lamborghini e dois Porsches, um para cada pé, piscina aquecida em forma de trevo, uma mulher com menos dedos e orelhas do que o necessário para usar todas as joias que lhe dou, contas na Suíça e em Liechtenstein, apartamento em Palm Beach — e pronto. Não preciso de nem um centavo a mais.
O centavo a mais é a perdição dos nossos corruptos. O centavo a mais é a tentação irresistível de Wilde resumida numa frase. O centavo a mais é uma metáfora para o excesso, para não saber quando parar.
É difícil identificar o momento em que a ganância transborda, e o centavo a mais bate na porta do corrupto e o leva coercitivamente para a cadeia, o corte zero do seu cabelo, as manchetes dos jornais e a execração pública.
É um pouco como o paradoxo do balão: só se descobre a capacidade máxima de um balão, o ponto em que um sopro a mais o estouraria, quando o sopro a mais é dado, e ele estoura.
Só se descobre quando era o momento de parar de roubar quando o momento já passou.
Carne Fraca tem algo até de carinhoso, na sua ironia. A Polícia Federal, ou o autor do nome da operação, reconhece que não é fácil deixar de roubar, com tanto dinheiro voando por aí, com tantas oportunidades que o Brasil oferece para a maracutaia e o “molha a mão”.
O que Carne Fraca diz é que a Polícia Federal não perdoa, mas entende.
FONTE: Blog do Noblat


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